A instalação e operação das unidades industriais da Suzano Papel e Celulose no município de Mucuri-BA voltaram ao centro do debate jurídico-ambiental diante de investigações sobre o uso de recursos hídricos provenientes de duas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) situadas no Rio Mucuri, nos municípios de Carlos Chagas e Serra dos Aimorés, em Minas Gerais, adquiridas anteriormente da empresa Queiroz Galvão — grupo já alvo de operações de combate à corrupção em contratos públicos.
- Questionamentos sobre a finalidade empresarial
 
Embora a Suzano seja constituída predominantemente para atividades industriais e florestais, o controle das PCHs suscita questionamentos de natureza regulatória e concorrencial, considerando que:
- A geração de energia não consta como atividade central em seu objeto social primário;
 
- A exploração de hidrelétricas exige observância estrita de normas da ANEEL, da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
 
Sob a ótica do Direito Empresarial e Regulatório, discute-se se a utilização dos reservatórios teria como objetivo principal reforçar a atividade industrial e não a geração sustentável de energia em regime acessório.
- Regime de operação: PCH de “fio d’água”
 
As PCHs em análise são classificadas como usinas de fio d’água, devendo operar com base no fluxo natural do rio, sem represamento significativo, conforme normativas da ANA e do CONAMA.
Denúncias indicam que, em períodos de estiagem, haveria:
- Redução do fluxo mínimo do rio abaixo do regime ecológico adequado;
 - Utilização da água represada para manutenção de processos fabris;
 - Liberação de vazões atípicas durante fiscalizações.
 
Caso confirmados, tais fatos podem caracterizar violação ao princípio da legalidade ambiental (art. 225 da CF/1988) e à Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997).
- Limites de lançamento de efluentes
 
A legislação ambiental e os padrões do CONAMA determinam que o lançamento de efluentes industriais deve respeitar capacidade de assimilação do corpo hídrico e limites de diluição, sob risco de:
- violação do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998);
 - infrações administrativas (Decreto 6.514/2008);
 - dano ambiental reparável civilmente (responsabilidade objetiva — art. 14, §1º, Lei 6.938/1981).
 
Denunciantes alegam que, em situações de baixa vazão, o volume de efluentes poderia ultrapassar o limite técnico estimado de 10% da água disponível, padrão adotado em diversos licenciamentos ambientais, o que agravaria o risco ecotoxicológico.
- Impactos socioambientais relatados
 
Comunidades ribeirinhas, pescadores e marisqueiras relatam:
- redução de peixes e recursos pesqueiros;
 - avanço do mar sobre áreas urbanas devido à menor deposição natural de sedimentos;
 - prejuízo à subsistência tradicional.
 
Caso comprovados, tais impactos configurariam possível violação aos princípios da:
- função socioambiental da água;
 - precaução e prevenção ambiental;
 - proteção das comunidades tradicionais e da pesca artesanal (CF/88, art. 216-A e Lei 11.959/2009).
 
- Atuação do Ministério Público e órgãos reguladores
 
Há informação de que o Ministério Público requisitou dados à ANEEL para análise correlativa entre:
- volume de água disponível no rio;
 - energia gerada nas PCHs;
 - períodos críticos de estiagem.
 
Se confirmada produção energética incompatível com vazão ecológica, pode haver:
- responsabilização administrativa;
 - suspensão operacional;
 - indenização socioambiental;
 - eventual ação civil pública.
 
- Posição da empresa
 
A Suzano, em manifestações públicas anteriores, tem afirmado cumprir rigorosamente a legislação ambiental, manter licenças válidas e adotar padrões de sustentabilidade. Até a conclusão das apurações, prevalece o princípio constitucional da presunção de regularidade e boa-fé.
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CONCLUSÃO
Os fatos narrados e as investigações em curso apontam para um possível conflito entre uso industrial da água e preservação do equilíbrio hidrológico do Rio Mucuri. A apuração técnica e jurídica será determinante para identificar:
- se houve desvio de finalidade no uso das PCHs,
 - eventual violação de limites ambientais,
 - e danos socioambientais às comunidades tradicionais e ao ecossistema costeiro.
 
O caso evidencia a necessidade de transparência hídrica, fiscalização contínua e análise pericial independente, considerando a relevância ecológica, social e econômica da bacia do Mucuri.
